sexta-feira, 20 de julho de 2012

Acordou uma hora depois e já era fim de tarde. Por que gostava tanto de fins de tarde, quis saber enquanto ouvia um cão latir, os carros rolando e rugindo sobre o asfalto, a música indistinta de um vizinho, os pássaros que nunca aprendera os nomes. Contemplava a camisa de seu marido pendurada na porta do armário e as outras roupas empilhadas sobre a cadeira ao lado. Outro pássaro cantava, cantava perto e bonito, causando espanto às duas gatas que despertaram também agora e miavam. Talvez nunca tivessem visto um pássaro assim perto, no parapeito da varanda do sexto andar. O pássaro voou para longe e a luz do sol baixo refletiu em suas penas. O sol tocava agora este ou aquele prédio, esta ou aquela janela. Esfriava. Viria a noite. Amanheceria outro dia que não tardaria a tornar-se fim de tarde anoitecendo. E assim passaria um mês, soube. E assim se passariam - e se passaram - dez anos. Acordou uma hora depois e já era fim de tarde.


terça-feira, 17 de julho de 2012

- Toda turma tem aquele cara que comeu todo mundo.
- Gosto de pensar que eu sou esse cara.
- Cara, você não é um cara.
- Isso nunca foi um empecilho.

segunda-feira, 9 de julho de 2012

Eu estou certo, certo e seguro dos meus passos incertos e inseguros, e de que a hora marca dez e quinze e que o chá ainda está quente. Faço e desfaço o mesmo caminho até a porta, da porta até a rua, da rua até outra rua, da outra rua até a mesma porta. Dez, vinte, trinta vezes ou quantas vezes forem necessárias. Faço o esperado e o que deve ser feito. A vida é segura e sem surpresas mesmo quando de súbito batem a porta com calma, com insistência, com crescente violência. Persistem e eu resisto. Intrépido.

O importante é estar inteiro e inteiro eu estou quando eu a vejo e me estilhaço feito vidro que a reflete, impreciso e gracioso a duplicar-lhe, triplicar-lhe a face doce e o sorriso em pranto.