quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Atento ao que digo, fixado em meus atos, amou cada um dos meus defeitos.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Daquele tempo não restou nada. Nenhuma foto ou ferida visível. Os copos quebrados continuam irremediavelmente quebrados e perdidos noutro lugar qualquer. Os sapatos que usamos para correr, dançar e fugir escaparam por conta enquanto ainda era tempo e nos deixaram descalços e com os pés feridos. Os dias se repetiram, viraram noite e noite a dentro ou dia a fora o tempo passou e as rosas morreram. Lojas abriram e fecharam naquela rua, outras mulheres entraram e deixaram aquele apartamento, aquela vida. A vida dele. A vida que não conheci, vida dele sem mim, o grande palácio oco onde minha voz ressoava clara e forte mas que agora não passaria de um eco difícil de escutar, difícil de entender, fantasmagoricamente alucinado e irritante. Ecoante chega agora até mim aquelas palavras que não ouvi mas que ouvia claramente como se ele me sussurrasse uma a uma no ouvido enquanto eu lia e relia aquela carta. Carta perdida. Carta no meio de tudo, no meio da bagunça do meu mundo e agora fixa no emaranhado do meu cabelo, encardida das minhas mãos que a tomaram entre os dedos com cuidado, cuidado de quem sabe que eis tudo, eis o que resta, foi aqui, este pequeno pedaço de papel a me falar daquele que nunca pude compreender. Ou aceitar. Leio novamente. As passagens são exatas, cada frase construída com precisão, na medida exata do exagero e de uma forma desordenadamente bela. É desconcertante pensar que se dirigissem a mim. Leio como se a tivesse roubado. Cometo plágio: leio como se eu a tivesse escrito, penso no talento que nunca tive para imitá-lo, seguir seus rastros, suas migalhas floresta a dentro. Penso em tudo o que faria se tivesse o seu talento. Penso que seria melhor do que ele. Penso que fiquei melhor sem ele, mas vazia sem as palavras que podia fazer de minhas, que eu emprestava quando as minhas não eram o suficiente. Ouço-me murmurar suas palavras como se fossem minhas próprias invenções e vejo o vazio da minha alma povoar-se novamente de cores absurdas e enlouquecidas.

Das fotos que não existiram, dos gostos que se apagaram, das ruas que não guardaram nossas sombras e nossos passos ficou fixa em minha memória a certeza de que, de tudo o que fiz, ele certamente foi minha invenção mais ousada.
Se você estivesse aqui poderia te dizer que não está chovendo mas tampouco faz sol. Você não ficaria impressionado e puxaria uma cadeira. Sua cadeira. O canto onde você sempre senta pra me olhar enquanto falo bobagens e ouço músicas que não compreendo. É polonês?, te perguntaria. É polonês, saberia de pronto, antes da sua resposta chegar aqui onde estou: sempre tão perto, igualmente tão longe.

Cigarros sobre a mesa. Pegaria um dos seus, tomaria o seu isqueiro. Eu sou folgada, preciso de espaço, preciso ter o que não me pertence. Te faria uma piada, você sorriria pois estou sempre a te poupar da verdade e a verdade é que nada disso tem sentido algum, nada tem realmente importância. Ou quem me poupa é você pois a verdade não te afeta, não te atinge pelas costas como um tiro à queima roupa como me atinge. Estamos leves e soltos a mover-nos, a falar-nos e você está tranquilo, sempre calmo a perder de vista. Que você me fale, que eu te fale, que as notícias corram lá fora soltas e que as novas não sejam as esperadas: sigo roubando seus cigarros e o precioso tempo que é só seu. Eu o roubo e trago cada um dos seus minutos e não sinto culpa. Às vezes eu não sinto nada. Às vezes ter sobrevivido à adolescência é uma tremenda falta de sorte. Todas as vezes que penso em quando te conheci penso que é falta de sorte não ter te visto antes, por acaso. Estou segura de que eu saberia que você é você e te falaria assim como agora te falo e você saberia que eu sou eu e daríamos passos gigantes rumo à felicidade que nos aguardaria na próxima curva. Agora na próxima curva só encontro a morte e um pouco mais perto de mim estão as horas vazias que passarei a contemplar a cadeira onde você não está, e pensarei (com um sorriso irônico, confesso) na diferença de significado das palavras que pronunciamos sem que o outro possa abarcar seu sentido por completo, pois não crescemos juntos. Você já veio pronto, tem o que é necessário para suportar o que não suporto. E o que eu não suporto é a pequenez da vida diante da imensidão da morte.

(Enquanto escrevo, faço uma prece desordenada que exige que alguém bata à porta, que atrás dela estejam seus olhos e que neles eu encontre a calma que não tenho, a esperança que perdi, o amor que noutro lugar jamais encontro)